segunda-feira, 11 de abril de 2011

Manifestações, Violência e Mensagens que Precisam Passar

Um dos assuntos de momento é a greve dos trabalhadores da G4’s. Aliás, é a intervenção da Força de Intervenção Rápida na manifestação (sublinho manifestação) dos trabalhadores daquela empresa, ao que se diz, reclamando a reposição de determinadas situações ligadas às remunerações.

A greve é um direito legalmente consagrado e o recurso a esta figura não é arbitrário; segue determinados padrões legais que devem ser escrupulosamente seguidos. Pelo que percebi, os princípios legais norteadores do direito a greve não foram observados e, pior que isso, partiu-se para alguns actos que nada têm a ver com o exercício do direito a greve tal e qual preconizado na Constituição e na Lei do Trabalho.

Aos empregadores incumbe, igualmente, o dever de respeitar os direitos dos trabalhadores escusando-se de praticar todo e qualquer acto que atente contra tais direitos. Me parece, também, que a G4’s se excedeu em algumas coisas e não cumpriu com promessas feitas despoletando descontentamento da massa laboral.

Não pretendo aqui fazer o julgamento de quem tem ou não tem razão. Não é esse o objectivo.

No cenário criado, a intervenção da polícia era necessária. Acho que ninguém põe em causa a necessidade da intervenção da polícia para repor a ordem. Dos debates que correm, todos condenamos o uso excessivo da força por parte da polícia. Pode ser que a situação no terreno (tumultos que não cessaram, mesmo com a presença da autoridade policial, o que poderia criar uma situação de impunidade do vandalismo) pudesse ter arrastado os agentes da FIR a ter que usar a força bruta, de todo condenável.

Mas no debate e nas abordagens ao mais diverso nível há um conjunto de coisas que tem ficado de fora:



  • Se é justa a condenação do uso excessivo da força por parte dos agentes da FIR (abordagem única e exclusiva em torno deste caso), com a mesma veemência deveríamos condenar a violação dos direitos dos trabalhadores por parte da empresa bem como o atropelo de todo um conjunto de princípios pelos trabalhadores.


  • É necessário dar um sinal claro aos empregadores, nacionais ou estrangeiros, que há normas legais aprovadas e em vigor e que, acima disso, os trabalhadores são pessoas que merecem todo o respeito e consideração.


  • É também necessário dar um sinal claro aos trabalhadores de que há normas a observar e que a violação de direitos por parte dos empregadores não legitima qualquer arruaça e o sinal de que a violência não é a solução mais feliz para repor seja o que for.

Outra questão que deve entrar nas nossas cogitações é sobre o que propicia um extremar de posição na actuação da nossa polícia:




  • será que a nossa FIR está preparada para agir diferente?


  • de que meios dispõe para fazer convenientemente o seu trabalho?


  • em situação similar no futuro que cenário teremos?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Em busca da nossa justiça

Peço este texto emprestado ao Dr. Carlos Serra Jr. É actual

Em busca da nossa justiça

Ao ler alguns documentos históricos relacionados com o sector de justiça, redigidos nos anos áureos da chamada “justiça popular”, encontrei algumas passagens que, não obstante o decurso do tempo e a ocorrência de profundas transformações na histórica do nosso país, permanecem extraordinariamente actuais e, porque não, essenciais à tomada de algumas decisões rumo a uma cada vez melhor e maior justiça para todos os moçambicanos. A partir desta informação histórica, organizarei uma pequena reflexão em torno de 3 palavras-chave: simplificação, investigação e implementação.

Sobre a simplificação do quadro jurídico-legal moçambicano, nos Documentos Preparatórios da 8.ª Sessão do Comité Central da Frelimo, realizada entre os dias 11 e 27 de Fevereiro de 1976, encontra-se uma importante Resolução sobre a Justiça, que constituiu uma das bases da reforma judiciária de 1978, consubstanciada na aprovação da Lei n.º 12/78, de 2 de Dezembro (Lei que regulamenta a estrutura e composição dos Tribunais Populares). Escreveu-se no referido documento que “impõe-se a simplificação das nossas leis, libertando-as dum tecnicismo que as torna incompreensíveis para o povo. Quando por motivos técnicos ou outros não for possível evitar completamente o tecnicismo, a rádio, a imprensa, os jornais do povo e as diversas reuniões populares devem ser utilizados para explicar em detalhe os princípios e objectivos que inspiram as leis”

Esta posição foi consubstanciada na Directiva sobre a Justiça do III Congresso da Frelimo (3 a 7 de Fevereiro de 1977), nos seguintes termos: “Ao direito novo deve corresponder também uma linguagem nova orientada principalmente no sentido da simplicidade. Devemos encontrar a linguagem simples e popular que facilite o entendimento e divulgação das leis pelas massas, sem prejudicar a necessária eficácia técnica. Temos que encontrar novos métodos de levar as leis ao conhecimento do povo, para que possam ser inteiramente assumidas”.

Luís Mondlane, actualmente juiz-presidente do Conselho Constitucional, escreveu, em 1997, para a Revista Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane: “É do conhecimento geral que o Direito vigente em Moçambique foi concebido em tempo bastante recuado para uma realidade social distinta da prevalecente em Moçambique, quer no momento da sua adopção, quer nos presentes dias. Nos últimos tempos têm sido adoptadas alterações que, longe de reformular o Direito no sentido da sua conformação com a realidade social podem traduzir-se em distorções graves ao próprio sistema. Há que reformular o direito para que a justiça que, através dele é obtida, seja socialmente justa. (…) É necessário desmitificar o direito, democratizar o direito e a própria administração da justiça. A lei e o direito têm que ser entendidos pelo homem comum e estar ao seu serviço”.

No entanto, conforme ficou demonstrado nos anos que se seguiram e tendo presente a realidade actual, não houve lugar a nenhum reforma generalizada e profunda do direito. As leis que se seguiram e substituíram as outras ao serviço do Estado colonial continuaram a ser redigidas numa linguagem inacessível à larga maioria da população moçambicana, de cariz altamente tecnicista, e desprovida dos necessários mecanismos de implementação. Na realidade, uma vez volvidos praticamente 25 anos de Independência nacional, ainda não foi possível desencadear um processo sério e profundo de reforma legal. O exemplo maior exemplo que podemos referir prende-se com o facto de continuarem em vigor, na República de Moçambique, o Código Penal de 1886, o Código de Processo Penal de 1929 e o Código Civil de 1967, este último parcialmente revisto nos assuntos de família e comércio.

Mesmo a reforma realizada nos demais códigos e no conjunto de leis aprovadas ao longo dos 35 anos de Independência, salvo algumas excepções, pouca mudança trouxeram em relação ao quadro jurídico tradicional de herança colonial, designadamente no que diz respeito aos aspectos formais. Aliás, o ex. colonizador continua a ser a principal fonte de inspiração do legislador moçambicano e, nalguns casos, pacotes legislativos completos foram importados e adoptados no ordenamento jurídico nacional. Problema maior reside nos códigos de processo, vitais no capítulo do acesso à justiça, mas que, em virtude do alto grau de complexidade e excessiva dose de formalismo, se tornam num obstáculo à efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.

Sobre este aspecto, entendo que temos que ser finalmente capazes de perceber que uma boa lei não significa necessariamente uma lei escrita de fora erudita, na melhor das linguagens técnico-jurídicas, recheada dos mais sublimes conceitos e institutos, na qual, muitas vezes, a forma acaba se sobrepondo ao conteúdo, despindo-a totalmente da desejável eficácia jurídica. Entendo que uma boa lei é aquela que, pela sua simplicidade, entendida, assumida e implementada por todos os cidadãos.

Em relação à investigação da realidade moçambicana para uma maior e necessária adequação do Direito àquela, importa referir que um dos aspectos da Reforma no sector da justiça herdado da Administração colonial e que nunca chegou a ser cabal e verdadeiramente consumada, prendia-se precisamente com a necessidade de fazer aprovar um quadro jurídico-legal consentâneo com os objectivos preconizados pelo Estado moçambicano e a realidade vivida pelos moçambicanos, precedida por um trabalho de pesquisa de pesquisa. Veja-se que, de acordo com a Resolução sobre a Justiça acima referida, “há que proceder com urgência à recolha de elementos que nos permitam um conhecimento aprofundado dos costumes e regras praticados pelo povo moçambicano, para que as novas leis exprimam e correspondam às realidades do País, quer para as consagrar, quer para as corrigir, na medida em que não correspondam à orientação política da Frelimo”; e, “só a partir de todo esse trabalho de conhecimento das realidades e experiências no nosso povo se poderá criar um Direito novo, e pôr a funcionar um sistema de aplicação da justiça que seja verdadeiramente popular e moçambicano”.

Na mesma linha refere Rui Baltazar, então Ministro da Justiça, no longínquo ano de 1977, em texto publicado na revista “Justiça Popular”: “Sem um conhecimento exacto ou grandemente aproximado das nossas realidades sociais, dos sentimentos dominantes do nosso povo e da sua vida, não podemos pensar em novos códigos”. A pesquisa era assim condição essencial à feitura de novas leis, especialmente dos grandes códigos de direito substantivo e de direito processual.

O levantamento e a análise da rica e imensa realidade jurídica criada, dinamizada e desenvolvida ao nível das comunidades só começaram a ser realizados muitos anos mais tarde, na segunda metade da década de noventa, quanto, em parceria, o Centro de Estudos Africanos, da Universidade Eduardo Mondlane, e o Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, se lançaram num programa de pesquisa que culminou na publicação, em 2003, da obra “Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique”, com organização de Boaventura Sousa Santos e João Carlos Trindade. Este trabalho foi de uma grandeza e importância inegáveis, tendo contribuído para dar a conhecer um pouco mais sobre a administração da justiça em Moçambique. Pecou, no entanto, por não ser tido a desejável sequência, principalmente no que diz respeito ao processo de reforma legislativa.

Dai que haja necessidade de dar a necessária e merecida relevância à investigação da realidade moçambicana, estabelecendo uma ponte para com o processo de reforma legal. Mais do que importar modelos legislativos de outros quadrantes geográficos, ainda que apresentados como sucesso, importa conhecer a nossa realidade, propor soluções adequadas, conformes e justas, para, seguidamente as submeter a um processo democrático de auscultação pública, conquistando uma base de legitimação, culminando na sua aprovação. Um importante papel deve ser prestado pelas faculdades de direito, que, para além de preparação a próxima geração de criadores e implementadores da lei, deverão igualmente associar o ensino à investigação.

Finalmente, sobre a implementação, há seguramente que um enorme trabalho a fazer. Quantas vezes, em encontros e debates, nos jornais e na televisão, dentro e fora das instituições, ouvimos dizer que o maior problema hoje não é tanto a falta de leis, mas sim a sua implementação? Um dos mais recentes episódios que vivi relacionado com este problema sucedeu, há poucas semanas, numa viagem à cidade de Nampula, quando fui interceptado por uma brigada de trânsito. Uma vez cumpridas as formalidades de vistoria da documentação, e após ter constatado, que, precisamente ao lado, na via pública, dezenas de motociclistas circulavam sem o capacete obrigatório, e outros tantos automobilistas transitavam desprovidos do necessário cinto de segurança, regras impostas à luz do Decreto n.º 17/93, de 25 de Agosto, perguntei a uma ilustre agente da Polícia de Trânsito porque deixavam tais prevaricadores agir impunemente, A resposta foi muito simples: “As multas são muito baixas, eles vão pagar e voltam a fazer o mesmo”! Bem, fiquei naturalmente sem palavras! Afinal para que serve a nossa Polícia?

Este é apenas um pequeno exemplo de que, quantas vezes se elaboram leis sem que, depois, tenhamos condições para as implementar, umas vezes porque o problema reside nas próprias leis, pelas razões acima aludidas (demasiado complexas e inadequadas à realidade moçambicana, aos quais acrescento a falta de mecanismos estabelecidos nas próprias leis que sejam orientados à sua implementação efectiva), outras vezes quando o problema acontece ao nível dos próprios implementadores, visto que, qualquer processo de implementação pressupõe, por um lado, uma actividade permanente de divulgação, através dos mais variados e adequados meios, germinando nos cidadãos uma consciência jurídica, e, por outro lado, um aturado e contínuo exercício de monitoria, controlo e fiscalização.

Carlos Manuel Serra

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Alguns Aspectos Problemáticos do Regulamento do Solo Urbano

Há muito que, neste espaço, nada sai. Este é um espaço que requer certo rigor e, muitas vezes, esse rigor exige tempo que, normalmente, tem que ser furtado de outras actividades. Mas este espaço precisa ser alimentado e não é de desculpas que ele carece. Por isso vim cá, apresentar a análise sobre solo urbano feita pelo Dr. José Manuel Caldeira aqui.

Acho interessante debatermos um pouco a volta disso.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Comunicado da Ordem dos Advogados de Moçambique

Achei interessante trazêlo Aqui. Pode ser mote para um debate interessante sobre o funcionamento dos nossos órgãos de Administração da justiça.
ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE

GABINETE DO BASTONÁRIO

COMUNICADO DE IMPRENSA
A ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE vem acompanhando com estupefacção e perplexidade os graves factos relativos à emissão de mandados de captura, na passada Sexta-Feira, contra o advogado Abdul Gani e o advogado-estagiário Zainadine Jamaldine.

A propósito da factualidade referida, cabe em primeiro lugar realçar que a Ordem dos Advogados não pretende pronunciar-se sobre a veracidade ou não dos factos que estiveram na base da emissão dos referidos mandados, nem pretende interferir no regular funcionamento dos órgãos de justiça, deixando para o foro e tempo próprios a apreciação dos factos e actos dos intervenientes citados.

Contudo, ninguém poderá ignorar que a anulação do mandato de captura emitido contra o Dr. Abdul Gani e a ordem de soltura do Dr. Zainadine Jamaldine, ambos ordenados pelo senhor Procurador-Geral da República na manhã de Domingo último, indiciam imprudência e precipitação das autoridades envolvidas no uso destes meios processuais extraordinários contra os dois profissionais.

O presente posicionamento visa tão-somente os seguintes objectivos:

· A defesa do Estado de Direito.

· A defesa dos direitos, imunidades e prerrogativas dos Advogados, quando em exercício de funções.

· A defesa contra a ofensa da dignidade e prestígio da profissão de advogado, através da prática, com ligeireza, de actos em si ofensivos do sistema jurídico moçambicano.

Feitas estas precisões e restrições sobre a nossa visão e posição, atenta toda a factualidade envolvente a esta lamentável situação, três pontos prenderam a atenção da Ordem, a saber:

a) À luz do estatuído no nº 3 do artigo 63 da Constituição da Republica de Moçambique, a busca, apreensão e outras diligências nos escritórios do advogado só podem ser ordenadas por decisão judicial e devem ser efectuadas na presença do juiz que ordenou a decisão, do advogado e do representante da Ordem dos Advogados.

O preceito constitucional foi aliás transcrito no artigo 35 do Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique, aprovado pela Lei n.º 7/94, de 14/Setembro.

A entrada de vários elementos armados da Policia de Investigação Criminal no escritório de advogado Abdul Gani sem observância e nem respeito pelos requisitos constitucionais e legais constitui notória e grosseira violação da lei fundamental e demais instrumentos legais da República de Moçambique.

b) À luz do estatuído no nº 1 do artigo 63 da Constituição da Republica de Moçambique, o Estado assegura a quem exerce o mandato judicial as imunidades necessárias ao seu exercício, como elemento essencial á administração da justiça.

A prisão de advogado e o seu interrogatório, no âmbito do exercício da profissão e do patrocínio judicial a ele confiado, configura uma arrepiante e inadmissível violência, tanto mais quanto o advogado está sujeito a dever de segredo profissional (artigo 53 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Constitui, em última análise, uma agressão contra o direito de defesa que assiste a qualquer cidadão moçambicano, porquanto as imunidades e prerrogativas atribuídas ao advogado não o são no seu próprio interesse, mas no interesse da salvaguarda de um efectivo direito de defesa dos cidadãos. Neste contexto, qualquer acto passível de revelar intimidação, constrangimento ou limitação da intervenção legítima do advogado na defesa do cidadão que presta contas à justiça, prejudica a materialização da norma constitucional contida no n.º 1 do artigo 62 da Constituição da República de Moçambique que garante aos arguidos o direito de defesa, o direito à assistência jurídica e ao patrocínio judiciário.

A sociedade Moçambicana compreende que a advocacia é um pilar essencial da administração da justiça, e que o seu exercício, em defesa dos direitos, liberdades e garantias de cada um dos cidadãos, não pode ser posto em causa, seja qual for o motivo, sejam quais forem as circunstâncias, e muito menos ao arrepio da legalidade, sob pena de em primeira linha os direitos dos cidadãos serem postos em causa e consequentemente ser posta em causa a própria democracia e o Estado de Direito.

c) O fundamento legal que presidiu à emissão dos mandados em apreço, por alegado crime de tirada de presos, previsto e punido pelos artigos 190 e 186 do Código Penal, nem sequer é legalmente admissível, à luz do preceituado nos artºs 286 e 291 do Código de Processo Penal.

Ainda que fosse em face das circunstâncias concretas em que a soltura do cidadão assistido por estes membros da Ordem dos Advogados de Moçambique ocorreu, era notório e manifesto que não estavam preenchidos os elementos típicos deste alegado crime.

A Ordem está notoriamente preocupada no tocante às eventuais suspeitas deixadas no ar quanto a eventuais comportamentos dos seus membros e que subjazem às sucessivas declarações públicas neste domínio. Mas pode a sociedade Moçambicana ter a certeza que esta instituição de interesse público tem os mecanismos internos bastantes e adequados para lidar com eventual violação das regras que delimitam rigorosamente o exercício da profissão por parte dos seus membros e não hesitará em tomar as medidas que se mostrarem adequadas para que o mais estrito e rigoroso respeito pela legalidade continue a imperar no seu seio.

Contudo, perante estas clamorosas violações do ordenamento jurídico Moçambicano, não pode a Ordem dos Advogados de Moçambique admitir que atropelos, estes ou outros que doravante venham a acorrer, à Constituição e à lei iniciem um movimento de retrocesso na construção do Estado de Direito em Moçambique.

Foi longo e árduo o percurso percorrido para que o exercício da profissão de Advogado obtivesse, como é o caso presente, a dignidade constitucional e legal que hoje merece, revelando-se como uma conquista em prol do desenvolvimento do nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Assim, a Ordem dos Advogados de Moçambique serve-se da presente para expressamente e de viva voz manifestar, em nome da classe dos advogados, a sua indignação e repúdio pela forma como estes lamentáveis factos ocorreram, exigindo que quem de direito inicie os imediatos procedimentos disciplinares e criminais contra os agentes de autoridade envolvidos nas ilegalidades acima reportadas.

Mais refere que estará atenta a todos os actos que de forma directa ou directa visem limitar, condicionar, intimidar ou impedir o livre exercício da profissão pelos advogados e não hesitará nestes casos em usar de todos os meios ao dispor para que estas situações atentórias dos princípios do Estado de direito democrático sejam definitivamente erradicadas desta nossa pátria amada.
Maputo, a 15 de Junho de 2009.

Por uma Ordem empreendedora
O BASTONÁRIO

Gilberto Correia

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Despedimento Colectivo

O Despedimento Colectivo*


A Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho (adiante “LT”), trouxe, de entre outras, uma inovação através da consagração do regime do despedimento colectivo, definido no art. 132 como aquele em que a cessação de trabalho abranja, de uma só vez, mais de 10 trabalhadores.

No presente artigo, é nossa pretensão abordar o regime e o alcance desta figura, uma alternativa legal com fundamentos próprios para a cessação dos contratos de trabalho.

Desde logo, pela definição, depreende-se que este regime é apenas aplicável às médias e grandes empresas, uma vez que pela referência a “mais de 10 trabalhadores” exclui as pequenas empresas, que têm até 10 trabalhadores.

Se considerarmos que nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 63, o despedimento é uma sanção a aplicar em caso de cometimento de uma infracção disciplinar que “torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho,” conferindo ao empregador “o direito de fazer cessar o contrato de trabalho” por despedimento, será então correcto falar em “despedimento colectivo” nos termos dos artigos 132, 133 e 134 da LT?

Nos parece, salvo melhor entendimento, que neste caso estamos em face de uma inconsistência no uso do termo legal “despedimento” que, por definição na própria LT, é uma sanção disciplinar conforme se depreende do cruzamento da alíneas f) do nº 1 do art. 63 e dos nºs 1 e 2 do art. 67. Por contraste, no regime do despedimento colectivo descrito nos artigos 132 e seguintes, não estamos em face de uma sanção; estamos sim, como a definição esclarece, numa pura rescisão do contrato que abrange uma pluralidade de trabalhadores, pelos motivos estruturais, tecnológicos e de mercado, no caso, de mais do que 10 trabalhadores.

O despedimento colectivo busca o seu fundamento em motivos estruturais, tecnológicos, ou de mercado, quando se mostre ser essa a via essencial à competitividade, saneamento económico, reorganização administrativa ou produtiva da empresa.

É uma ferramenta legal de que as empresas podem fazer uso, por exemplo, em casos de (i) falta de recursos económicos e financeiros de que poderá resultar um excesso de postos de trabalho, (ii) introdução de novas tecnologias que pode obrigar à redução de pessoal e (iii) dificuldades de colocação dos bens ou serviços no mercado ou casos de redução da actividade da empresa.

Isto é, o despedimento colectivo funda-se nas mesmas razões que motivam a rescisão do contrato por iniciativa do empregador com aviso prévio em que estejam envolvidos 1 a 10 trabalhadores.

Não obstante abranger mais de 10 trabalhadores, é necessário que seja, emitida uma informação a cada trabalhador cujo contrato cessa. Para além da informação aos trabalhadores, a LT impõe que, igualmente, se informe aos órgãos sindicais e ao órgão local de administração do trabalho, devendo tal informação ser acompanhada (i) da descrição dos motivos invocados para o despedimento colectivo e (ii) do número de trabalhadores abrangidos pelo processo.

Esta informação precede um processo de consulta obrigatório entre o empregador e o órgão sindical, que deve ser conduzido antes da consumação da rescisão dos contratos. O processo de consulta não durará mais de 30 dias. O seu objectivo é abordar os fundamentos do despedimento colectivo, a possibilidade de evitar ou reduzir os seus efeitos, bem como medidas necessárias para atenuar as suas consequências para os trabalhadores afectados.

No direito comparado, a complexidade técnica que pode revestir a análise dos fundamentos do despedimento colectivo e os argumentos do empregador, explica a razão pela qual se tenha previsto a participação de peritos indicados pelo empregador e pela estrutura representativa dos trabalhadores, na fase de consulta/negociação. Para além disso, essa fase é igualmente assistida pelo órgão da administração do trabalho, para efeitos de controlo preventivo de legalidade e também como conciliador mas, sem a possibilidade de interferir em termos decisivos e vinculantes no resultado final. Também é assim em Portugal nos termos dos artigos 420 e 421 do respectivo Código do Trabalho.

Contrariamente à tendência prevalecente no país de onde, ao que tudo indica, se buscou inspiração para este regime, a nossa LT prevê que o processo de consulta é apenas entre o empregador e o órgão sindical. Do texto da LT não se prevê a participação do órgão local de administração do trabalho na fase da consulta embora, como se referiu acima, este deva ser informado antes do início desta fase.

Seja qual for o resultado do processo de consulta, o empregador decide sobre a melhor solução para a empresa. É claro que tal decisão terá em conta o acordo que porventura se tenha alcançado ou, não havendo acordo, segundo o seu próprio critério.

Quid Júris quanto ao formalismo? Devemos entender que o processo de consulta decorre dentro dos 30 dias de aviso prévio referidos no nº 2 do artigo 131? Ou, pelo contrário, que findo o processo de consulta o empregador deve informar a cada trabalhador envolvido da decisão seguindo o formalismo do artigo 131 da LT?
Ao contrário do que acontece no direito comparado, nomeadamente no Código do Trabalho Português, em que se dispõe expressamente que findo o período de consulta, o empregador “comunica, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data da cessação do respectivo contrato, indicando o montante da compensação, assim como a forma e o lugar do seu pagamento,” a LT é omissa neste sentido.

Assim, há quem defenda que o processo de consulta corre simultaneamente com o período de pré-aviso com fundamento em que, estando, por hipótese, a empresa em dificuldades, admitir que haja um período suplementar de comunicações, é agravar essas dificuldades e os custos a suportar pelo empregador.

Por outro lado, há também quem defenda que após o processo de consulta, o empregador deve informar cada trabalhador envolvido seguindo as formalidades descritas no artigo 131 da LT. Fundamenta esta posição a ideia de que o que leva ao processo negocial é a previsão (não a certeza) do despedimento colectivo conforme o nº 1 do artigo 133 da LT. Assim, sendo este o entendimento, o empregador, por exemplo, informará por escrito a cada trabalhador abrangido, ao órgão sindical ou, na falta deste, à comissão de trabalhadores ou à associação sindical representativa e ao órgão local da administração do trabalho, com uma antecedência não inferior a 30 dias nos quais o empregador fica especificamente obrigado a prestar os esclarecimentos e a fornecer os elementos que lhe forem solicitados pela Inspecção do Trabalho.

Sendo uma decisão empresarial, a doutrina laboral tem defendido que “não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Coimbra: Livraria Almedina. 2002. pp 863). É assim porque, segundo outros autores, “a validade do despedimento colectivo está condicionada à verificação externa de que não se pretende encapotar, um conjunto de despedimentos individuais irregulares. Exige-se, portanto, que esteja em causa a extinção de uma pluralidade de vínculos, mas acresce que exista para o facto um fundamento organizativo ou técnico que o torne indispensável ou inevitável” (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Coimbra: Livraria Almedina. 2005. pp 597).

A LT vai neste sentido da verificação externa ao atribuir competência às autoridades judiciais ou aos órgãos de mediação e arbitragem declarar o recurso abusivo ou a inexistência das razões determinativas da aplicação do regime de rescisão do contrato fundada em motivos estruturais, tecnológicos ou de mercado.

Portanto, quando por motivos estruturais, tecnológicos e de mercado se preveja a rescisão de contratos de mais de 10 trabalhadores, caímos no regime do despedimento colectivo nos termos do qual temos procedimentos próprios que incluem comunicações diversas e prévias a um processo de consulta entre o empregador e o comité sindical representativo desses trabalhadores.

Notar que, na impugnação do despedimento colectivo, o ónus de prova da existência dos motivos estruturais, tecnológicos e de mercado cabe ao empregador.



* Texto retirado da SAL & Caldeira Newsletter nº 23 de Janeiro e Fevereiro

quinta-feira, 5 de março de 2009

Bem Vindos

Este é o Legal e Subversivo. Pretende ser um blog temático. Um blog virado para a minha área de formação; Um blog que tentará, na medida do possível, esclarecer dúvidas, informar sobre assuntos de natureza legal.

Não fugirá muito, em termos de abordagem e de análise, do seu parente próximo que é o ideiassubversivas.blogspot.com pois, não pretendo despejar para aqui acriticamente toda a informação de natureza legal que me chegar, antes pelo contrário.

É claro que como no ideiassubversivas.blogspot.com, este espaço pretende ser um espaço de debate, de exercício de uma cidadania, militante e consciente, onde todos, juristas ou não, opinem sobre o sentido em que devíamos legislar, das fraquezas virtudes do sistema normativo vigente, entre muitos outros aspectos.

Um abraço, e sejam bem vindos.