quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Despedimento Colectivo

O Despedimento Colectivo*


A Lei 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho (adiante “LT”), trouxe, de entre outras, uma inovação através da consagração do regime do despedimento colectivo, definido no art. 132 como aquele em que a cessação de trabalho abranja, de uma só vez, mais de 10 trabalhadores.

No presente artigo, é nossa pretensão abordar o regime e o alcance desta figura, uma alternativa legal com fundamentos próprios para a cessação dos contratos de trabalho.

Desde logo, pela definição, depreende-se que este regime é apenas aplicável às médias e grandes empresas, uma vez que pela referência a “mais de 10 trabalhadores” exclui as pequenas empresas, que têm até 10 trabalhadores.

Se considerarmos que nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 63, o despedimento é uma sanção a aplicar em caso de cometimento de uma infracção disciplinar que “torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho,” conferindo ao empregador “o direito de fazer cessar o contrato de trabalho” por despedimento, será então correcto falar em “despedimento colectivo” nos termos dos artigos 132, 133 e 134 da LT?

Nos parece, salvo melhor entendimento, que neste caso estamos em face de uma inconsistência no uso do termo legal “despedimento” que, por definição na própria LT, é uma sanção disciplinar conforme se depreende do cruzamento da alíneas f) do nº 1 do art. 63 e dos nºs 1 e 2 do art. 67. Por contraste, no regime do despedimento colectivo descrito nos artigos 132 e seguintes, não estamos em face de uma sanção; estamos sim, como a definição esclarece, numa pura rescisão do contrato que abrange uma pluralidade de trabalhadores, pelos motivos estruturais, tecnológicos e de mercado, no caso, de mais do que 10 trabalhadores.

O despedimento colectivo busca o seu fundamento em motivos estruturais, tecnológicos, ou de mercado, quando se mostre ser essa a via essencial à competitividade, saneamento económico, reorganização administrativa ou produtiva da empresa.

É uma ferramenta legal de que as empresas podem fazer uso, por exemplo, em casos de (i) falta de recursos económicos e financeiros de que poderá resultar um excesso de postos de trabalho, (ii) introdução de novas tecnologias que pode obrigar à redução de pessoal e (iii) dificuldades de colocação dos bens ou serviços no mercado ou casos de redução da actividade da empresa.

Isto é, o despedimento colectivo funda-se nas mesmas razões que motivam a rescisão do contrato por iniciativa do empregador com aviso prévio em que estejam envolvidos 1 a 10 trabalhadores.

Não obstante abranger mais de 10 trabalhadores, é necessário que seja, emitida uma informação a cada trabalhador cujo contrato cessa. Para além da informação aos trabalhadores, a LT impõe que, igualmente, se informe aos órgãos sindicais e ao órgão local de administração do trabalho, devendo tal informação ser acompanhada (i) da descrição dos motivos invocados para o despedimento colectivo e (ii) do número de trabalhadores abrangidos pelo processo.

Esta informação precede um processo de consulta obrigatório entre o empregador e o órgão sindical, que deve ser conduzido antes da consumação da rescisão dos contratos. O processo de consulta não durará mais de 30 dias. O seu objectivo é abordar os fundamentos do despedimento colectivo, a possibilidade de evitar ou reduzir os seus efeitos, bem como medidas necessárias para atenuar as suas consequências para os trabalhadores afectados.

No direito comparado, a complexidade técnica que pode revestir a análise dos fundamentos do despedimento colectivo e os argumentos do empregador, explica a razão pela qual se tenha previsto a participação de peritos indicados pelo empregador e pela estrutura representativa dos trabalhadores, na fase de consulta/negociação. Para além disso, essa fase é igualmente assistida pelo órgão da administração do trabalho, para efeitos de controlo preventivo de legalidade e também como conciliador mas, sem a possibilidade de interferir em termos decisivos e vinculantes no resultado final. Também é assim em Portugal nos termos dos artigos 420 e 421 do respectivo Código do Trabalho.

Contrariamente à tendência prevalecente no país de onde, ao que tudo indica, se buscou inspiração para este regime, a nossa LT prevê que o processo de consulta é apenas entre o empregador e o órgão sindical. Do texto da LT não se prevê a participação do órgão local de administração do trabalho na fase da consulta embora, como se referiu acima, este deva ser informado antes do início desta fase.

Seja qual for o resultado do processo de consulta, o empregador decide sobre a melhor solução para a empresa. É claro que tal decisão terá em conta o acordo que porventura se tenha alcançado ou, não havendo acordo, segundo o seu próprio critério.

Quid Júris quanto ao formalismo? Devemos entender que o processo de consulta decorre dentro dos 30 dias de aviso prévio referidos no nº 2 do artigo 131? Ou, pelo contrário, que findo o processo de consulta o empregador deve informar a cada trabalhador envolvido da decisão seguindo o formalismo do artigo 131 da LT?
Ao contrário do que acontece no direito comparado, nomeadamente no Código do Trabalho Português, em que se dispõe expressamente que findo o período de consulta, o empregador “comunica, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da data da cessação do respectivo contrato, indicando o montante da compensação, assim como a forma e o lugar do seu pagamento,” a LT é omissa neste sentido.

Assim, há quem defenda que o processo de consulta corre simultaneamente com o período de pré-aviso com fundamento em que, estando, por hipótese, a empresa em dificuldades, admitir que haja um período suplementar de comunicações, é agravar essas dificuldades e os custos a suportar pelo empregador.

Por outro lado, há também quem defenda que após o processo de consulta, o empregador deve informar cada trabalhador envolvido seguindo as formalidades descritas no artigo 131 da LT. Fundamenta esta posição a ideia de que o que leva ao processo negocial é a previsão (não a certeza) do despedimento colectivo conforme o nº 1 do artigo 133 da LT. Assim, sendo este o entendimento, o empregador, por exemplo, informará por escrito a cada trabalhador abrangido, ao órgão sindical ou, na falta deste, à comissão de trabalhadores ou à associação sindical representativa e ao órgão local da administração do trabalho, com uma antecedência não inferior a 30 dias nos quais o empregador fica especificamente obrigado a prestar os esclarecimentos e a fornecer os elementos que lhe forem solicitados pela Inspecção do Trabalho.

Sendo uma decisão empresarial, a doutrina laboral tem defendido que “não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Coimbra: Livraria Almedina. 2002. pp 863). É assim porque, segundo outros autores, “a validade do despedimento colectivo está condicionada à verificação externa de que não se pretende encapotar, um conjunto de despedimentos individuais irregulares. Exige-se, portanto, que esteja em causa a extinção de uma pluralidade de vínculos, mas acresce que exista para o facto um fundamento organizativo ou técnico que o torne indispensável ou inevitável” (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Coimbra: Livraria Almedina. 2005. pp 597).

A LT vai neste sentido da verificação externa ao atribuir competência às autoridades judiciais ou aos órgãos de mediação e arbitragem declarar o recurso abusivo ou a inexistência das razões determinativas da aplicação do regime de rescisão do contrato fundada em motivos estruturais, tecnológicos ou de mercado.

Portanto, quando por motivos estruturais, tecnológicos e de mercado se preveja a rescisão de contratos de mais de 10 trabalhadores, caímos no regime do despedimento colectivo nos termos do qual temos procedimentos próprios que incluem comunicações diversas e prévias a um processo de consulta entre o empregador e o comité sindical representativo desses trabalhadores.

Notar que, na impugnação do despedimento colectivo, o ónus de prova da existência dos motivos estruturais, tecnológicos e de mercado cabe ao empregador.



* Texto retirado da SAL & Caldeira Newsletter nº 23 de Janeiro e Fevereiro

Um comentário:

amosse macamo disse...

Quid Júris quanto ao formalismo? Devemos entender que o processo de consulta decorre dentro dos 30 dias de aviso prévio referidos no nº 2 do artigo 131? Ou, pelo contrário, que findo o processo de consulta o empregador deve informar a cada trabalhador envolvido da decisão seguindo o formalismo do artigo 131 da LT?

“Ou, pelo contrário, que findo….”
A informação ao trabalhador não pode ocorrer findo o processo de consulta, aliás, este, só se inicia, porque já estão identificados, os trabalhadores abrangidos, conforme dispõe o art. 133 no seu número 1 que “quando o empregador preveja o despedimento colectivo deve informar aos órgãos sindicais e aos trabalhadores abrangidos. ..”
A informação ao trabalhador é prévia, e os actos de consulta, visam fundamentalmente minimizar a questão dos trabalhadores abrangidos, pois, pode-se verificar no decurso destas conversações, situações concretas, que obriguem a empresa a voltar a trás, em relação a certo número de trabalhadores, isto é: mantendo os seus postos de trabalho.
Fica assim esclarecida, salvo melhor opinião, a posição do legislador moçambicano.
Mas sobre este artigo, Júlio, ainda hei-de voltar, porque não considero a situação de “despedimento” colectivo, infeliz como é aqui apresentado