quarta-feira, 17 de junho de 2009

Comunicado da Ordem dos Advogados de Moçambique

Achei interessante trazêlo Aqui. Pode ser mote para um debate interessante sobre o funcionamento dos nossos órgãos de Administração da justiça.
ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE

GABINETE DO BASTONÁRIO

COMUNICADO DE IMPRENSA
A ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE vem acompanhando com estupefacção e perplexidade os graves factos relativos à emissão de mandados de captura, na passada Sexta-Feira, contra o advogado Abdul Gani e o advogado-estagiário Zainadine Jamaldine.

A propósito da factualidade referida, cabe em primeiro lugar realçar que a Ordem dos Advogados não pretende pronunciar-se sobre a veracidade ou não dos factos que estiveram na base da emissão dos referidos mandados, nem pretende interferir no regular funcionamento dos órgãos de justiça, deixando para o foro e tempo próprios a apreciação dos factos e actos dos intervenientes citados.

Contudo, ninguém poderá ignorar que a anulação do mandato de captura emitido contra o Dr. Abdul Gani e a ordem de soltura do Dr. Zainadine Jamaldine, ambos ordenados pelo senhor Procurador-Geral da República na manhã de Domingo último, indiciam imprudência e precipitação das autoridades envolvidas no uso destes meios processuais extraordinários contra os dois profissionais.

O presente posicionamento visa tão-somente os seguintes objectivos:

· A defesa do Estado de Direito.

· A defesa dos direitos, imunidades e prerrogativas dos Advogados, quando em exercício de funções.

· A defesa contra a ofensa da dignidade e prestígio da profissão de advogado, através da prática, com ligeireza, de actos em si ofensivos do sistema jurídico moçambicano.

Feitas estas precisões e restrições sobre a nossa visão e posição, atenta toda a factualidade envolvente a esta lamentável situação, três pontos prenderam a atenção da Ordem, a saber:

a) À luz do estatuído no nº 3 do artigo 63 da Constituição da Republica de Moçambique, a busca, apreensão e outras diligências nos escritórios do advogado só podem ser ordenadas por decisão judicial e devem ser efectuadas na presença do juiz que ordenou a decisão, do advogado e do representante da Ordem dos Advogados.

O preceito constitucional foi aliás transcrito no artigo 35 do Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique, aprovado pela Lei n.º 7/94, de 14/Setembro.

A entrada de vários elementos armados da Policia de Investigação Criminal no escritório de advogado Abdul Gani sem observância e nem respeito pelos requisitos constitucionais e legais constitui notória e grosseira violação da lei fundamental e demais instrumentos legais da República de Moçambique.

b) À luz do estatuído no nº 1 do artigo 63 da Constituição da Republica de Moçambique, o Estado assegura a quem exerce o mandato judicial as imunidades necessárias ao seu exercício, como elemento essencial á administração da justiça.

A prisão de advogado e o seu interrogatório, no âmbito do exercício da profissão e do patrocínio judicial a ele confiado, configura uma arrepiante e inadmissível violência, tanto mais quanto o advogado está sujeito a dever de segredo profissional (artigo 53 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Constitui, em última análise, uma agressão contra o direito de defesa que assiste a qualquer cidadão moçambicano, porquanto as imunidades e prerrogativas atribuídas ao advogado não o são no seu próprio interesse, mas no interesse da salvaguarda de um efectivo direito de defesa dos cidadãos. Neste contexto, qualquer acto passível de revelar intimidação, constrangimento ou limitação da intervenção legítima do advogado na defesa do cidadão que presta contas à justiça, prejudica a materialização da norma constitucional contida no n.º 1 do artigo 62 da Constituição da República de Moçambique que garante aos arguidos o direito de defesa, o direito à assistência jurídica e ao patrocínio judiciário.

A sociedade Moçambicana compreende que a advocacia é um pilar essencial da administração da justiça, e que o seu exercício, em defesa dos direitos, liberdades e garantias de cada um dos cidadãos, não pode ser posto em causa, seja qual for o motivo, sejam quais forem as circunstâncias, e muito menos ao arrepio da legalidade, sob pena de em primeira linha os direitos dos cidadãos serem postos em causa e consequentemente ser posta em causa a própria democracia e o Estado de Direito.

c) O fundamento legal que presidiu à emissão dos mandados em apreço, por alegado crime de tirada de presos, previsto e punido pelos artigos 190 e 186 do Código Penal, nem sequer é legalmente admissível, à luz do preceituado nos artºs 286 e 291 do Código de Processo Penal.

Ainda que fosse em face das circunstâncias concretas em que a soltura do cidadão assistido por estes membros da Ordem dos Advogados de Moçambique ocorreu, era notório e manifesto que não estavam preenchidos os elementos típicos deste alegado crime.

A Ordem está notoriamente preocupada no tocante às eventuais suspeitas deixadas no ar quanto a eventuais comportamentos dos seus membros e que subjazem às sucessivas declarações públicas neste domínio. Mas pode a sociedade Moçambicana ter a certeza que esta instituição de interesse público tem os mecanismos internos bastantes e adequados para lidar com eventual violação das regras que delimitam rigorosamente o exercício da profissão por parte dos seus membros e não hesitará em tomar as medidas que se mostrarem adequadas para que o mais estrito e rigoroso respeito pela legalidade continue a imperar no seu seio.

Contudo, perante estas clamorosas violações do ordenamento jurídico Moçambicano, não pode a Ordem dos Advogados de Moçambique admitir que atropelos, estes ou outros que doravante venham a acorrer, à Constituição e à lei iniciem um movimento de retrocesso na construção do Estado de Direito em Moçambique.

Foi longo e árduo o percurso percorrido para que o exercício da profissão de Advogado obtivesse, como é o caso presente, a dignidade constitucional e legal que hoje merece, revelando-se como uma conquista em prol do desenvolvimento do nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Assim, a Ordem dos Advogados de Moçambique serve-se da presente para expressamente e de viva voz manifestar, em nome da classe dos advogados, a sua indignação e repúdio pela forma como estes lamentáveis factos ocorreram, exigindo que quem de direito inicie os imediatos procedimentos disciplinares e criminais contra os agentes de autoridade envolvidos nas ilegalidades acima reportadas.

Mais refere que estará atenta a todos os actos que de forma directa ou directa visem limitar, condicionar, intimidar ou impedir o livre exercício da profissão pelos advogados e não hesitará nestes casos em usar de todos os meios ao dispor para que estas situações atentórias dos princípios do Estado de direito democrático sejam definitivamente erradicadas desta nossa pátria amada.
Maputo, a 15 de Junho de 2009.

Por uma Ordem empreendedora
O BASTONÁRIO

Gilberto Correia

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